5 de julho de 2011

das Seil

O nó estava feito. Os fios torcidos amarrados fortemente ao encanamento que cruzava o corredor, o qual ligava a sala aos quartos. A cadeira estrategicamente posicionada embaixo e nela estava ela sentada. Cabeça em punhos com cotovelos apoiados nos joelhos, olhava para cima, pensativa. O teto era alto, devia dar uns três metros. Com sorte, pensou ela, eu quebro e não sinto nada, e sorriu com a ideia. Nunca havia tido sorte na vida, e, não sabia bem porquê, acreditava que hoje teria.
Seus olhos marearam quando começou a repassar sua vida. Lembrou de quando conheceu ele e assustou-se "como faz tempo!". Há 10 anos, ela tinha o hábito de correr pelo parque todas as manhãs. Colocava Back in Black, que parecia lhe dar um gás extra, a animava correr. Único problema que tinha a mania de correr olhando para baixo e foi assim que o conheceu: esbarrou nele que ambos foram para o chão. Ela enrusbeceu no ato, e mais ainda percebendo que o homem que havia esbarrado era realmente lindo. E apaixonou-se vendo-o levantar-se rapidamente para ajudá-la, todo preocupado e gentil. Dez meses depois, estavam casados.
Limpou com um lenço as lágrimas que escorriam insistentemente, mas continuou a sessão. Um ano após casados, ela engravidou; não foi nada planejado mas eles ficaram tão contentes como se fosse. Oito meses depois, Marina nascia para alegria absoluta do casal, que ficou extasiado ao ver aquela criaturinha tão pequena, berrando o ar para fora dos pulmões em gritos estridentes.
No chão, ela estava sentada com as pernas no tórax, as quais abraçava fortemente, com a cabeça enfiada entre elas urrava toda dor que sentia dentro de si; as lágrimas já não mais escorriam, mas pulavam de seus olhos azuis. Ela não queria mais, mas não podia evitar, e também agora não conseguia levantar-se para terminar o que havia começado.
Aos sete anos, a pequena Marina era uma menina linda e encantava a todos com seu charme e sua inteligência. Porém, era muito curiosa e, de vez em quando, muito simpática. Foi sua simpatia e doçura que conquistaram M, um homem moreno e alto, de olhos negros melancólicos, de rosto firme sem expressão e com seus 32 anos. M que passava diariamente de bicicleta pela casa do casal, muitas vezes parando e observando a pequenina Marina pelo pequeno buraco que havia na cerca. M que raptou Marina.
Ela virou rapidamente para o lado e vomitou todo o uísque tomado para angariar coragem. Em posição fetal, ficou deitada no chão, chorando alto pela dor imensa que sentia: dor que rebatia no interior do seu coração então oco. Queria sentir dor física, queria sofrer, queria se bater, queria se cortar, mas nada fazia pois lhe faltavam forças. E como num filme de terror, continuou com as lembranças inevitáveis.
Só encontraram o pequeno anjo três meses depois, largada numa vala, achada por um andarilho que por ali passava. M nunca foi achado. O mundo dela desmorou: não tinha mais aquele serzinho para iluminar seus dias, o quarto violeta, recheado de livros e brinquedos, que ela pedira estava agora vazio. Ninguém para fazer aquela bagunça de brinquedos espalhados por todo canto da casa, ou colocar o som alto de algum rock and roll clássico.
Nesse momento, entre as lágrimas, ela sorriu: lembrou-se de como ela e seu marido sempre a mostraram grandes nomes da música, de Coltrane a Neil Young, e como ela passava horas apenas apreciando o que ouvia. Ou como saia dançando toda sorridente pela sala quando colocava Zeppelin. As lágrimas voltaram com força. Por que estava lembrando dessas coisas agora?!
O marido dela nunca conseguiu superar esse acidente que marcou suas vidas como ferro quente, a prova disso foi ele ter se entregado ao alcoolismo. Foram poucos meses de porres homéricos, de dormir na porta de casa por não conseguir abrí-la, de perder emprego e isolar-se no seu próprio mundo regado a muito álcool. Poucos meses, pois tinha o terrível hábito de dirigir extremamente alcoolizado: esse foi o principal motivo de seu enterro ter sido com caixão fechado. Foi o golpe final para ela: perdera as duas pessoas mais importantes da sua vida em questão de meses; seus sonhos desabaram, seu castelo desmoronou. Não havia mais rei nem princesa, e a rainha não suportava a dor da perda. O que havia conquistado nesses anos não fazia mais sentido, seus amigos mostraram-se desnecessários, seus familiares não eram aqueles os quais ela queria ter ao seu lado. Não mais comia, não mais bebia (além de garrafas Johnny Walker), não mais dormia, não mais sentia, não mais amava, não mais desejava, não mais vivia. Sua casa revelara-se seu caixão.
Cansada, reuniu suas últimas forças para seu último esforço. Engatinhando, escalou a cadeira. Com dificuldade, colocou-se de pé. Pôs em volta do seu pescoço. Pulou: obviamente não quebrou: a corda era curta, e para ela era todo um processo mais prático, nunca pensaria que é necessário todo um cálculo envolvendo peso, altura, queda e tamanho da corda. Hoje, ela também não teve sorte.
Agonizou alguns minutos enquanto sufocava. Hm, não é um sensação agradável, pensou enquanto seu corpo automaticamente tentava buscar qualquer quantidade de ar possível. Debateu-se, chutou a cadeira longe. Seus globos oculares começaram a saltar levemente, enquanto a corda ia lentamente comprimindo suas carótidas e seu cerébro inchando. A falta de oxigênio a faz desmaiar.
Nos minutos seguintes, nada sentiu. Estava livre: não mais sofreria.
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escrito em 3 de novembro de 2009.

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