30 de agosto de 2014

Me ouve?

te dou todas minhas razões
as quais não sei quais são
te dou todos meus motivos
os quais desconheço
e mais várias outras coisas
as quais sempre esqueço

te daria tudo o que sou
mesmo sem saber ao certo
aos teus pés de peito aberto
me jogaria descoberto
das certezas que nunca tive

só pra que me ouvisse
quem sabe visse sentido
nesse meu pedido
tão fora de moda
será que isso te incomoda?

não me importa.
já cheguei à sua casa
e bati na porta.

27 de agosto de 2014

(Trans)Vista(-se)

não quero dar na vista
visto-me de máscaras 
pra me acabar na pista 
sumo e não deixo rastro 
rastejo pelo asfalto 
na falta que você faz 

persigo tuas pistas 
sigo as listras que deixou 
consumo-me com vinhos 
enquanto ouço teus passinhos 
ouso dizer próximos 
um átomo de distância 
 
por detrás dos arbustos 
uma exposição de vários bustos teus 
 
dizem-me que há amor 
em todos os poemas meus 
dizem-me que há amor 
em todas as canções tuas 
mas 
nem o verso meu 
nem a rima sua 
nem nossos corações  
batem mais na mesma batida 
das alfaias do maracatu. 
 
bom pra mim, 
bom pra tu?

21 de agosto de 2014

Brincadeira

lanço palavras
como criança que derruba
a caixa de brinquedos
e cria mundos

em poucos segundos
deixo até dez
aos teus pés

17 de agosto de 2014

Cotidiano

Hoje eu acordei e não levantei. Não quis levantar. Há meses não tenho vontade de levantar. Fingi que dormia para mim mesmo, uma tentativa para que a cabeça comprasse a ideia e adormecesse novamente. Não funcionou. Mas ainda assim, não levantei. Peguei o celular ao lado do travesseiro e vi as horas. Não que fizesse alguma diferença, fosse quatro da manhã ou quatro da tarde, nenhuma das duas opções seriam exatamente uma motivação. Fiz por automatismo. Vi que já passava do meio-dia. Eu sentia fome, mas não tinha muita vontade de comer. Isso envolveria se levantar da cama e isso estava completamente fora de questão. Não levantaria mais, ficaria ali deitado até que algo acontecesse.
E essa é a parte em que você se questiona "como assim até que algo acontecesse?" ou ainda "mas não vai fazer nada para mudar?".
Basicamente, se as pessoas não estão felizes com determinada situação, elas buscam mudanças, algo que melhore tal momento. Ao menos na maioria das vezes. Claro que há as que reclamam pelo prazer de reclamar, quando não possuem intenção nenhuma de mudar coisa alguma, pois o objetivo não é buscar certa mudança, mas apenas reclamar, jogar palavras fora, gastar saliva, ficar com a garganta seca.
E é esse tipo de pessoa que você pensa que este narrador é. Dos que cospem palavras. E é sempre mais fácil julgar a aparência ("soa apático, um tanto melancólico, desanimado, desmotivado, um tanto sem vontade de nada") do que se dar ao trabalho de, no mínimo, sei lá, imaginar o porquê de alguém se encontrar neste estado descrito. Pois é. É o que todos fazem e você, e me dando ao direito de generalizar, é só mais um nesse todo.
E quando alguém não consegue mudar? É. Simplesmente, não consegue. Quer, tem desejos a realizar e sonhos a alcançar. Mas não consegue. Algo alheio impede, alheio a vontade do alguém, uma vontade maior do que ele pode controlar. Uma vontade em não ter vontades ou ânimo suficiente para realizar qualquer coisa que seja. E não, não é frescura. É algo pelo qual simplesmente você não controle algum. É algo que você não tem controle.
Estranho pensar que alguém não tem controle sobre o que sente, mas, acredite, existe. Aos montes. Sim, é estranho. Mas mais estranho pra quem se sente assim e não sabe o que fazer é ainda tem que lidar com a incompreensão alheia, ouvindo coisas do tipo "você tem que se animar!", "não adianta ficar assim, tem que ser positivo!", "tem que dar a volta por cima!".
Não seja cruel. Não seja desumano. Não é uma escolha se sentir assim. Ninguém em sã consciência escolheria se sentir assim. A depressão não é uma brincadeira, não é uma frescura; é uma doença que precisa de tratamento e acompanhamento.
A depressão não é uma escolha.

14 de agosto de 2014

Das coisas que eu te disse

tudo que eu te disse 
você dispensa 
ignora, abstrai, coloca na despensa 
agora vem você me e me diz que pensou 
sobre tudo que eu pensei e perguntei 
o que é tudo para você, baby? 

tudo para mim 
são as noites insones e as caminhadas sem destino 
é minha cara acabada e meu coração em desatino 
são os livros que não leio e os poemas que não escrevo 
é tatear diariamente a alma e não sentir nenhum relevo 
são as linhas finas que cruzam a palma da minha mão sem nada revelar 
é te ver em cada esquina e em cada sonho e não me habituar 
são as dores que eu possuo e as que eu não possuo 
é minha mente feito campo de batalha e eu continuo 

e você acha que pensou 
em tudo que eu te disse? 

o que é tudo para você, baby? 

13 de agosto de 2014

Pelo avesso

e quando no fim
não tem final
e quando o fim
nada finda

como fica
o gosto amargo
como fica
a garganta seca

quando o que começou
pra alguém não terminou?

XII

a vida é um instante
uma luz que acende
uma luz que apaga

1 de agosto de 2014

Fio da navalha

um passeio na beira do precipício
três tiros para o alto
para assustar o vício
Deus mais uma vez
não ouviu o suplício

será que é disso que eu preciso?

dançando
um tango na beira do precipício
lançando
os pés fosse feito brincadeira
flertando
o perigo como fosse bom amigo

eu envergo, mas não caio.