28 de janeiro de 2017

Do outro

Ninguém escapa ileso do outro:
tenho todas as cicatrizes de todos os amores,
umas tão reais quanto uma costela quebrada,
outras tão sentimentais quanto uma melancólica música do Damien Rice.
Ninguém escapa ileso do outro:
sabia de tudo que era ruim antes dos vinte e cinco,
pois de mim ninguém escapou:
quem planta vento, colhe tempestade.
Ninguém escapa ileso do outro:
lembro de todos os nãos e de todos os sims,
cada um a sua forma moldou tudo o que sou:
concreto e pena.
Ninguém escapa ileso do outro:
cada sorriso de uma criança por mim causado
eram como gotas d'água num deserto imenso:
minha alma agradecia a fé restabelecida.
Ninguém escapa ileso do outro:
este poema só existe em função do teu
e sorte a minha eu não ter escapado de ti.
Ninguém escapa ileso do outro:
Lorenz há anos percebeu e isso muito me perturba:
quando eu bato minhas asas, de quem a vida muda?

24 de janeiro de 2017

Dia a dia

queria poder andar com a calma
de quem não tem pressa na alma:
observar o casal de barulhentos papagaios
que rondam as praças do Centro
ou
sentar e fechar os olhos e ouvir e sentir
cada uma das badaladas do sino da Catedral
ou
andar como os passos da menina
com tattoo no pescoço:
passos lentos de quem tem alma na calma
passos que observam, passos que não tem hora

e eu
passos rápidos de quem está atrasado
não olho, nem reparo, nem sinto ou observo
nada além do meu relógio
e da insegurança da possibilidade de perder a hora
enquanto a vida com certeza perco

17 de janeiro de 2017

Em mim, de mim

dentro de mim sou muitos
dentro de mim cabe o mundo

desconheço tudo que sou
sei de tudo que me faz:

sopros, sussurros, suspiros
suor, sangue, sons

a explosão bruta lentamente queimando
a paz escassa belamente preservada
o diabo com olhos em lágrimas
o anjo com sorriso malicioso

dentro de mim cabe o mundo
dentro de mim sou muitos