30 de setembro de 2011

Silent Shout: I

- Vem, confia; eu não mordo... a não ser que você peça!, e sorrio maliciosamente.
Ela diz, "seu bobo!", ri e me abraça apertado.
- Se eu não confiasse em você, em quem mais?!
Me diz você, mas eu não digo, apenas penso. Retribuo o abraço: gosto do abraço dela, é um dos poucos abraços que me transmite conforto verdadeiro, aquela sensação de segurança que a gente sai procurando sem eira nem beira durante a vida inteira, dando de cara nos revezes com que ela, a vida, retribue-nos carinhosamente.
- Já disse que gosto pra caralho de você?, digo isso quando nos separamos do abraço, mas quando ainda estávamos próximos fisicamente, sabe como? Engraçado que foi muito espontâneo, como se tivesse pulado da minha boca.
E é verdade. Digo, eu gostar pra caralho dela. Ao contrário de várias pessoas que conheço, e muito das quais ainda convivo, não sei dizer que gosto de alguém se realmente não tenho um apreço por aquela pessoa. Posso me foder, quebrar a cara legal mais pra frente (os revezes da vida que nos deixam desiludidos com as pessoas no mundo, no geral), mas fui sincero quando disse que gostava pra caralho dela naquele momento. Aliás, sempre sou sincero quando digo que gosto de alguém. Dificilmente é pra caralho, mas, independente, sou sincero.

17 de setembro de 2011

Disorder: Parte III

Maybe I was born to hold you in these arms
The Swell Season

Então eu estava vagando novamente pelas ruas imundas com as quais já me habituei e as quais cujos habitantes amigos tornei-me, queridos são os ratos que passeiam pelo meu corpo e esquentam minha pele pútrida e dela alimento faço para alegria desses tão desgraçados quanto eu e sim, alimento-os com minha pele... E você, seria capaz de gesto tão nobre seria capaz de doar um pedaço de ti para o próximo que clama desesperado pela salvação que em ti tem de sobra? Não e eu aposto que não afinal somos todos tão egoístas olhando apenas e unicamente para nossos umbigos não nos importando com o maldito que morre de fome a nossos pés. E como eu estava dizendo eu estava vagueando novamente pelos becos asquerosos dessa cidade quando ao longe a avisto e fico pasmo e se minhas fracas pernas pudessem fixar-se no chão como se a um fantasma eu tivesse visto, nesse momento elas se fixariam o que obviamente não ocorreu.

Disorder: Parte II

Tonight you just close your eyes
and I just watch you
slip away.
How close am I to losing you?
The National
 

Chamo-me Marina. Tive um namorado. Apenas um. Não quero mais nenhum, não consigo suportar a idéia doutro homem em minha vida. E não, não é por ele ter sido único, aliás, ele foi único. Mas ao mesmo tempo foi maravilhoso e destrutivo: não sei se algum dia eu me recuperarei dele. Ou ele de mim.
Tínhamos um relacionamento perfeito, ele era doce e carinhoso e tinha uma espécie de tensão vindo dele sempre, o que de alguma forma o deixava atraente. Eu era um tanto mimada e chata, vivia fazendo cara feia caso ele me contrariasse de algum jeito: na verdade, ele não precisava me contrariar, eu tinha uma estranha necessidade em fazê-lo sentir-se culpado sem haver culpa alguma. Eu sabia que ele faria tudo por mim, qualquer coisa para me agradar e eu abusava disso, com a culpa ele ficava ainda mais carinhoso e atencioso e eu demandava muita atenção. Eu fui má, ninguém entendia como ele me aguentava e hoje em dia nem eu entendo, mas entendo um pouco as reações dele depois d’algum tempo nessa situação.

Disorder: Parte I

I've been waiting for a guide to come and take me by the hand 
Could these sensations make me feel the pleasures of a normal man? 
These sensations barely interest me for another day 
I've got the spirit, lose the feeling, take the shock away 
- Joy Division

Lembro levemente da minha infância: fui primeiro filho, mimado, sempre tive tudo que quis e tinha uma casa enorme, minha mãe era a mulher mais linda que já vi, com seu rosto sempre numa expressão dramática – que lhe dava um ar de atriz de cinema – carregada e isso era seu charme, como meu pai dizia; já ele era um homem sisudo, sério, todos que o viam o temiam de certa forma por sua fisionomia fechada: mal sabiam eles que ele era um dos homens mais doces que existiu, mimando-me de todas as formas possíveis e imagináveis e quando ele me via ao chegar em casa sua expressão mudava da seriedade para um lindo sorriso que alegrava até a parte mais obscura da minha alma, que eu viria a descobrir anos mais tarde, já na adolescência.